segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Frida Kahlo, através da dor com a própria dor

Juçara Gaspar é tal como Frida Kahlo, em aparência e 
vestimenta. Atrás, Luciano Alves, o violeiro*
Deus tem me presenteado com expressões  artísticas tão maravilhosas! No último sábado, fui assistir à peça Frida Kahlo, à Revolução, na Usina do Gasômetro, em Porto Alegre. E pude presenciar um trabalho excepcional de envolvimento e tamanha entrega a uma alma guerreira que expressava na pintura toda sua revolta, dor e libertação. Frida Kahlo, a grande artista e filha da Revolução Mexicana (1910), mulher que abriu o seu corpo e expôs o violento arder de uma profunda ferida, doída, costumava dizer que "a força que não se exprime é implusiva, destruidora, devastadora. Expressar-se é começar a libertar-se". Foram destas e de tantas outras palavras e ideias reveladoras que a atriz Juçara Gaspar se apropriou para compor a personagem (acredito eu) da sua vida. A simbiose entre Frida e Juçara era refletida, o tempo inteiro, na aura presente no palco de simples cenário e símbolos imagéticos, que, suavemente brutais, semeavam o retrato da história. Uma delicada luz delineava as memórias destas mulheres viscerais, cujas artes são traduzidas como relicários belamente transformadores. A obra inicia com uma melodia doce, não menos tocante, pois as lágrimas lavaram os meus olhos. Então, compreendi que essa canção, dedilhada pelo músico Luciano Alves, no primeiro ato, era uma forma de preparação, de limpeza dos sentidos, para que eles se abrissem ao que estava por vir. Uma das estrofes diz "quem se engana não és tu que tens coragem pra gritar, que tens coragem de amar. Mas se engana quem rejeita o seu próprio autorretrato, na dor de quem anda ao seu lado". O diretor Daniel Colin recebeu-me com tanto carinho e atenção, certamente da mesma maneira com o qual dedicou-se a essa montagem. Com tudo isso, vi que arte é a beleza de corações pulsando juntos.

Abaixo, o programa da peça:


Só para dar um gostinho...

 * Foto de Carlos Sillero

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Sr. Fox e a poesia das máscaras balinesas

Quando as luzes se apagaram e o breu se instaurou, senti que estava no lugar certo. Uma luz vermelha iluminou o pano branco ao fundo, e uma batida lentamente ritmada levou-me à sensação lúdica de que a ausência de cenário iria realmente tocar a minha imaginação. E isso se confirmou quando dois atores vestidos de máscaras balinesas entraram em cena carregando ao ombro cestos de vime suspensos um em cada ponta das varas de bambu. A fábula do Sr. Fox, um conto de fadas britânico que faz referência ao do Braba Azul, é o mote para o rito de iniciação dos atores da Cutelaria de Teatro: é a estória escolhida pelo grupo, ex-integrantes do prestigiado AMOK, para inaugurar-se como tal nos palcos.
A trama narra o encanto de Lady Mary, uma bela e jovem donzela, pelo Sr. Fox, um homem adornado de ouro e cheio de pretensões para com ela. Mas que pretensões seriam essas? Quem, de fato, é o Sr. Fox? Lady Mary aventura-se na floresta para adentrar nos recônditos do castelo daquele que lhe seduziu com generosas palavras e lhe enfeitiçou com o prazeroso hálito aromatizado com flores. A menina é destemida e não hesita em desmascarar o tão nobre galanteador. Feito realizado em grande estilo, é claro, na almejada cerimônia de casamento. A narrativa conta com as participações do pai e da ama da moça, figuras fundamentais para sustentação do pilar da peça. A combinação do encontro de olhares, do respirar a dois, da tensão cênica e da organicidade do corpo como reflexo da magia da máscara faz com o que o teatro aconteça e, assim, se torne poesia.


Ficha Técnica
Direção e Dramartugia: Gustavo Damasceno
Cenário: Claudiney Barino
Figurino: Marcelo Marques
Iluminação: José Michilis
Trilha sonora: Carlos Bernardo
Elenco: Ricardo Damasceno, Ludmila Wischansky, Fernando Lopes e Breno Primo de Melo

Temporada até 29 de agosto
Teatro do Jóckey - Av. Bartolomeu Mitre 1.110 - Gávea - Rio de Janeiro
Telefone: 21 2540-9853
Sábados e domingos às 18h30
Não recomendado para menores de 14 anos.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Mel

Estou lendo Afrodite, um livro literalmente delicioso da Isabel Allende (por sinal, uma escritora fluída, inventiva e intensa). Ela também é jornalista e, nesta obra, quer descobrir os segredos afrodisíacos da comida. Por que será que sou fã dela e estou amando esse livro?
Quando decidi fazer o blog ainda não havia começado a lê-lo. E alguns nomes me surgiram, um que não posso mencionar, pois está em fase de maturação em outro projeto. Outro que seria Néctar da Alma. Mas optei por Afrodite que nasceu da espuma do mar (sêmen de Urano) e contém a alma do amor. Mas enfim... A ideia é saborear tudo o que para mim é importante, tudo o que englobe arte e o prazer de escrever sobre ela, seja sobre teatro, cinema, dança, música, literatura ou gastronomia. A ideia é reagir, como ressalta Jacques Lecoq em O Corpo Poético, uma pedagogia da criação teatral, para "realçar a proposta que vem do mundo de fora. O mundo interior revela-se por reação às provocações que vêm do mundo exterior".
Não é que para minha surpresa ao ler o livro, descobri que o néctar de Afrodite é o próprio mel, "dourado tesouro da terra, resultado da alma das flores e do trabalho das abelhas. Tem servido para adoçar a vida muito antes da descoberta do açúcar. Seu sabor e aroma dependem das flores visitadas pelas aladas obreiras. Sua reputação como afrodisíaco é enorme: os noivos partem em 'lua de mel', e em muitas culturas faz parte da cerimônia e do banquete de casamento. O alto conteúdo de vitaminas B, C e minerais do pólen estimula a produção dos hormônios sexuais. Reaviva instantaneamente os amantes esgotados, porque o corpo o absorve em um tempo mínimo. Avicena, o célebre médico árabe, cujas receitas foram usadas durante séculos na Idade Média, recomendava mel com gengibre para impotência. Usa-se na preparação de doces sensuais, mesclado com nozes, coco, leite de camelo ou de cabra, ovos, especiarias, etc. Supõe-se que a saliva das belas huris do Paraíso de Alá, assim como as secreções femininas durante certos dias do ciclo menstrual, têm sabor de mel. Átila, que acreditava piamente em seu poder estimulante, bebeu tanto hidromel no dia do seu casamento que morreu de parada cardíaca, para regozijo dos seus inimigos e possivelmente da sua noiva. O rei Salomão canta à sua amada: como favo de mel destilam teus lábios, ó esposa minha; mel e leite há sob tua língua; e o odor dos teus vestidos é como o cheiro do Líbano (Cantares 4:11)", discorre a artista chilena, para em seguida continuar com excelência em sua descrição sobre o mel. "Morno sobre o corpo presta-se a muitos jogos eróticos. Cleópatra preparava uma mistura de mel e amêndoas pulverizadas para embelezar sua pele. Júlio César e Marco Antônio engordaram ao seu lado, não só por terem abandonado a rude vida dos quartéis pelos lânguidos prazeres da corte egípcia, mas também porque se viciaram em lamber a sobremesa na taça íntima dessa rainha sedutora".


Fica aí um convite @s leitor@s para conferir as próximas reações provocadas ao néctar de Afrodite.
Sejam Bem-vind@s!