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Tô brincando na Silveira, onde vai
desde antes de nascer |
Imagina um bebê no útero de uma mãe surfista, pegando onda no início dos anos 80. Imagina uma filha surfando junto com o pai no cangote dele. Agora, imagina no que essa criança se transformou. Pois essa menina, a Antônia, de 24 anos, estuda pedagogia e arte terapia e trabalha em um projeto com crianças na Costa da Lagoa de Florianópolis. Além disso, delinea uma onda com fluidez e leveza como ninguém.
João Wallig, o pai da Tô, teve a primeira surf shop de Porto Alegre. Com o dinheiro das vendas, ele, o sócio Tupi e mais dois amigos entraram numa Kombi azul com 14 pranchas dentro. E, do sul do Brasil, foram à Califórnia, surfando todo o caminho, durante um ano, nos anos 70. Surfaram a América Latina inteira. Ele instigou a Antônia a ser a verdadeira surfista de alma que é. E ainda o faz.
A serenidade e o sorriso de Antônia emocionam quando ela remete o surfe à alma: “um sentimento impossível de descrever, que para cada um significa uma coisa. É atemporal. É o melhor contato que tu podes ter contigo mesmo e com o entorno. Envolve muita coisa e não depende só de ti. É um aprendizado imenso, é um contato com as pessoas que estão na tua volta”, tenta pôr em palavras.
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Antônia fazendo uma bonita linha na onda |
Mas o que realmente toca é alegria dela ao relatar a maneira como foi educada: “toda a minha educação foi baseada no surfe. Então, pra mim, o surfe é a base, no sentido mais essencial da palavra: o surfe é a base mesmo, a base espiritual, física, corporal, de valores. E é uma base que traz muita felicidade”, sorri com orgulho.
Das inúmeras vivências proporcionadas pelo surfe, Antônia salienta o surfe em família. “A sensação de pensar num programa que todo mundo quer fazer e pensar: Vamos surfar! E a família inteira está disposta e pilhada pra ir. É uma sensação incrível!”
Ter surfado e morado em Galápagos, segundo ela “foi extraordinário, extra mundo.” Viajar, cada banho, o primeiro tubo, até estar de fora vendo o surfe rolar são experiências enriquecedoras para ela.
Dar aula de surfe foi outro aprendizado, o qual vivenciou com bastante carinho : “vê que tu podes estar ensinando e passando esse sentimento pras pessoas, e, de repente, dá um click em alguém que tu disseste e mostraste várias coisas. E tu vês que o coração fez puf! pra aquela história. E, por mais que a pessoa ainda não esteja conseguindo surfar, ela sentiu e dali ela surfa mesmo, porque ela sentiu, e tu vê o brilho nos olhos.”
Quando chegou do Equador, Antônia foi convidada por Roger Souto Mayor, do Praia Mole Surf Clube, a dar aulas. E assim o fez em vários lugares da Ilha. Roger propiciou a ela o curso de instrutora e de salvamento aquático. “Foi muito legal, mas é bem desgastante fisicamente, apesar de ser muito recompensador. O retorno financeiro não compensa. Dar aula é incrível. Agora, estou dando aula por moeda de troca, como sessões de Pilates, que dá um bom preparo pro surfe”, conta.
Free surfer de coração, Tô chegou a correr alguns campeonatos de verão em Torres, como a Taça Trópico e os universitários de Florianópolis . “Foi bem divertido, a minha vó na torcida foi ótimo! Mas eu nunca tive muito foco de competição. Em relação ao surfe, prefiro que seja um momento de total liberdade mesmo, porque eu acho que ai está a essência do surfe”, revela o desvelo à liberdade harmonizada com o surfe.
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Tô, inerente à paisagem, está totalmente integrada com o mar |
Desde pequena, Antônia vai para praia da Silveira. Lembra Itapema, o “surfe-de-cangote”. Já surfou em vários lugares como a Ilha de Florianópolis, Maracaípe, Recife, Salvador, Bahia, Rio de Janeiro, Barra do Sahy, Baleia, Camburi, Maresias e tantas outras de São Paulo. “A gente alugava uma casinha no sertão de Maresias, com uma cachoeira atrás. Muito delícia! A gente ia de bike pra praia com uma cachorra do lado e com as pranchas. Surfava no canto do Moreira e em Camburi, uma onda deliciosa”, relembra.
No exterior, Tô já surfou no Equador, na Argentina e na Nova Zelândia.Galápagos, para ela, foi uma vivência ímpar: “a onda é tubular, mais amigável, a parede fica te esperando, te mostrando aonde ir. É fundo de pedra. Foi onde eu perdi o medo das pedras.” Aos 15 anos, viajou sozinha à Nova Zelândia, conheceu gente que mostrou a ela bons picos pra surfar
Na vida de Antônia sempre existiu surfe. Sempre tiveram escapadas e matadas de aula pra fazer um bate-volta.
Pra começar a surfar, Tô aconselha a pessoa a observar o próprio movimento e o do mar, pra onde vai a corrente, onde a onda tem mais energia pra levar. “Tudo isso é fruto de muita observação e muito carinho com o mar. Ele te diz aonde ir, e ai o surfe se torna mágico mesmo. Tua energia fica totalmente integrada com a energia do mar. Então, tu aproveitas toda essa força que, ao invés de cansaço, te dá toda uma impulsão pra pegar uma boa parede, um bom tubo, o que tu quiser, o que tu imaginar, o que tu sentir. Respeitar muito o mar e querer junto com o mar. Ir mesmo e pegar marolinha, ficar em pé, cair e curtir a sensação de estar no mar. Curtir estar no mar é a base do surfe”, ensina.
O pai João sempre levou os filhos ( Tô tem um irmão mais novo, o João Felipe ) a experimentar a sensação da entrada do swell. “Quando vai entrar um swell, e o mar está meio balançado, a gente gosta de pegar a corrente que leva pra fora, entrar no mar, ficar lá fora sentindo aquela água que vem por baixo, pelos pés. Saber que está entrando as ondas, que o swell está entrando, só sentir aquele balanço do mar, que tu sabes que depois tu vais pegar boas ondas, sentindo o mar se mexer. Porque o surfe é movimento. E não é só o teu movimento, mas sim de uma série de coisas: do vento, da areia do fundo, do swell, que vem de fora. Tanta coisa tem que se mover pro surfe acontecer. Tanta coisa acontece na Terra pra gente pegar uma onda. Pra gente também é tanta preparação: a gente vai, se está frio, põe roupa de borracha, o leash, entra no mar rema, passa a rebentação. Os poucos segundos que estamos na onda vale todo o movimento que o planeta fez e que a gente fez pra chegar lá.”
Dos tantos ensinamentos, um dos mais bonitos é a comparação que João faz aos filhos das situações da vida com as do surfe. “A vida inteira o pai sempre fez equivalência do que a gente estava vivendo com o surfe. Ele diz: “ô ta massa, levou um ondão na cabeça, mas tu foi lá, passou a rebentação, agora é prender o ar, dar um mergulhão, daqui a pouco vem outra.” Ou comparou com a calmaria, com a serizona que estava vindo. Nos momentos mais difíceis, ele sempre chegou pra gente, deu um exemplo do surfe. E a gente falava: “é só um momento, só uma acontecimento, daqui a pouco vira tudo, muda tudo, o mar fica flat ou vem uma bomba lá fora e tu aprende a andar no movimento. Surfe é movimento. Poder ensinar e ter aprendido isso e continuar aprendendo, por ser movimento tu vai estar aprendendo sempre. É muito legal ter o espelho do surfe na vida.”
Obrigada Tô, pelas sábias e carinhosas palavras.
Tu és o exemplo que esse mundo precisa.
Valeu, irmã!
Que Deus continue a te proporcionar momentos maravilhosos no surfe e na vida!
* foto arquivo pessoal
** fotos Rubens Peixoto